quarta-feira, 1 de abril de 2009

Erros e acertos da nova Lei de Imprensa

©Folha de S. Paulo (16/04/96)

Nova lei de imprensa

Américo AntunesA polêmica em torno da nova Lei de Imprensa revela, infelizmente, que na Câmara dos Deputados ainda predomina uma relação de ''amor e ódio'' de grande parte dos parlamentares com os jornalistas e veículos de comunicação. Amor quando a cobertura da imprensa destaca feitos considerados positivos pelos deputados, sobretudo no que se refere a projetos de lavra própria. Ódio quando a imprensa revela os obscuros laços do poder, como no episódio da súbita mudança de posição de parlamentares na votação da emenda constitucional da Previdência. Essa esquizofrênica relação tem prejudicado, inclusive, uma discussão mais séria e profunda sobre o papel dos meios de comunicação nas sociedades contemporâneas e sobre as suas responsabilidades sociais, bem como uma tramitação mais célere dos projetos relativos à comunicação no Congresso.

No entanto resta a esperança que toda essa polêmica contribua para a recuperação desse urgente debate. Ao contrário do que muito se tem dito, julgamos que o projeto de Lei de Imprensa, depois de quatro anos de tramitação só na Câmara, representa um inegável avanço na afirmação do papel social da imprensa na construção da democracia, sobretudo ao remover os obstáculos à liberdade de expressão e manifestação ainda vigentes na lei 5.250/67, herdada da ditadura militar. O projeto consagra, por exemplo, a proibição de censura; agiliza o direito de resposta; define com clareza o dever da pluralidade de versões, responsabilizando o Ministério Público pela observância desse princípio em se tratando de informação falsa ou mentirosa; permite ao jornalista o direito de recusar a assinatura de matéria cujo conteúdo tenha sido alterado no processo de edição, entre outras inovações. Avanços, aliás, obtidos depois de um amplo e transparente processo de negociação na Comissão de Ciência e Tecnologia, Informática e Comunicação da Câmara que envolveu deputados de vários partidos, representantes das entidades empresariais e profissionais. Apesar dessas considerações, já na votação do projeto no plenário da Comissão (6/12/95), constatávamos pelo menos dois retrocessos inaceitáveis: a manutenção da pena de prisão para jornalistas e a fixação do valor de indenizações em até 10% do faturamento anual dos veículos de comunicação. No caso da pena de prisão, o projeto inicial de Lei de Imprensa, aprovado no Senado em 92, previa a sua substituição pela prestação de serviços à comunidade e multa.

Na Câmara, o deputado Pinheiro Landim, relator do projeto, manteve esse entendimento, mas que, desastradamente, acabou sendo derrubado por esmagadora maioria na votação na Comissão da Câmara, permanecendo a pena de prisão para jornalistas. Os defensores dessa proposição argumentavam que o fim da pena de prisão seria a concessão de mais um privilégio aos jornalistas, desconhecendo que em todo o mundo consolida-se o entendimento de que crime de opinião nãoé caso de cadeia. Ora, isso nos faz chegar à triste conclusão de que, se houvesse pena de morte no Brasil, ela fatalmente seria proposta também para crimes de injúria, calúnia e difamação e introduzida às pressas na Lei de Imprensa. Na votação das indenizações o mesmo equívoco se verificou. Sob o argumento de que os valores deveriam ser propositalmente elevados para coibir as ''irresponsabilidades'' frequentes da imprensa, a comissão acabou aprovando, também por ampla maioria, o limite das indenizações por cada crime em até 10% do faturamento dos veículos de comunicação, acrescido em 50% no caso de reincidência.O bom senso indicava outro caminho, já que o objetivo da penalidade não poderia ser jamais a ameaça à sobrevivência do jornal, da rádio ou televisão e tampouco o incentivoà disseminação da indústria de indenizações, tão próspera em alguns países.

Infelizmente, também nesse caso o passionalismo acabou prevalecendo, deixando-se de lado critérios muito mais reais para as indenizações, tais como a audiência/circulação do veículo, seu potencial econômico e lucro, tendo como pano de fundo,é claro, a extensão do prejuízo à imagem do ofendido. O desafio que a Câmara dos Deputados tem pela frente na apreciação definitiva do projeto é a recuperação dos elementos de racionalidade, de liberdade com responsabilidade, que devem nortear a nova Lei de Imprensa, dispensando os conteúdos passionais impregnados de sentimentos de vingança, revanche ou revide.

Américo Antunes, 39, jornalista, é presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).