sábado, 25 de outubro de 2008

Reforma Manicomial

Uma reforma silenciosa e irreversível

Em meio a tantas reformas legais e administrativas discutidas em todo o país, há uma que passa quase despercebida pelos que não estão na mesa de debates: é a reforma no sistema de atendimento psiquiátrico brasileiro. Apesar de lenta, ela tem avançado, e interessa diretamente aos brasileiros que buscam auxílio na rede pública de saúde, podendo alterar radicalmente o sistema de atendimento. Há dez anos, desde quando foi apresentado no Congresso o primeiro projeto prevendo reforma no sistema de saúde mental do país, parece consenso que essas mudanças são extremamente necessárias. Depois dessa primeira proposta, surgiram diversas outras e o próprio Ministério da Saúde já criou uma comissão com a exclusiva função de discutir a melhor maneira de realizar as mudanças.

O motivo dessa unanimidade é claro: a legislação que atualmente vigora no país sobre a questão psiquiátrica data de 1934 e permite atitudes como o seqüestro manicomial de qualquer pessoa que tenha sido diagnosticada como portadora de transtorno mental, uma medida cada vez mais condenada nos meios médicos. E não são poucos os que têm interesse em mudar esse sistema antiquado. Até agosto de 1999, foram internadas na rede pública do país para atendimentos psiquiátricos 276 mil pessoas, numa média de 34 mil internações por mês, segundo o Sistema Único de Saúde.

Ocorre, entretanto, que depois de reconhecida a necessidade de reformas ninguém consegue efetivamente realizá-las: o projeto de reforma manicomial, que data de dez anos atrás, de autoria do deputado federal Paulo Delgado (PT-MG) está parado no Congresso e, aparentemente, tem poucas chances de ser aprovado em breve. Além disso, a comissão criada pelo Ministério da Saúde para avaliar as mudanças não se reúne há mais de seis meses.

Longe de ser consenso entre as partes interessadas (doentes mentais e seus familiares, governos e hospitais), o projeto de Paulo Delgado propõe uma mudança radical no sistema: seriam proibidas a partir de sua aprovação novas internações em hospitais psiquiátricos e toda rede de hospitais do tipo seria extinta em cinco anos (20% ao ano). Além disso, o projeto propõe tratamentos alternativos e a interferência de uma autoridade judiciária que decida ou não pela internação caso isso seja solicitado pelo paciente. Embora tenha sido aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto foi muito alterado no Senado, que apresentou um substitutivo mais comedido, que também está parado nos trâmites internos da casa. Nele, condiciona-se a ação do Ministério Público a um pedido ou denúncia da família, o que contraria os movimentos antimanicomiais, que defendem que pessoas internadas involuntariamente tenham o direito de nomear um advogado e de solicitar uma junta de julgamento para que ela apure a necessidade de sua internação, a exemplo das recomendações que a Organização Mundial de Saúde fez para os sistemas de atendimento psiquiátrico.

"O projeto-de-lei do Paulo Delgado pode não ser aprovado, mas já é o responsável por algumas mudanças muito importantes", diz Sylvio Pellicano, superintendente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de São Paulo e membro da comissão formada pelo Ministério da Saúde para a reforma psiquiátrica. Entre as mudanças importantes que ele destaca estão as alterações ocorridas nos últimos anos nas legislações de diversos estados e municípios que beneficiam os doentes psiquiátricos (Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Pernambuco, Ceará, Ribeirão Preto/SP e Rio Grande/RS).
Através delas, boa parte dos serviços tem passado para as mãos dos municípios.
Municípios assumem atendimento psiquiátrico

Embora a legislação federal que rege o sistema de saúde mental não apresente atualmente mudanças importantes, o Ministério da Saúde tem concedido algumas alterações no sistema aos movimentos organizados. O Ministério já editou a Portaria Federal 224/92, que submeteu os hospitais a normas de atendimento psiquiátrico mais respeitoso aos pacientes e a Norma de Orientação Básica (NOB) 96, que prevê a municipalização do sistema psiquiátrico e o repasse de recursos federais aos municípios.

Embora tenha sido baixada em 1996, a NOB 96 só começou efetivamente a funcionar em grande número de cidades a partir de abril de 1999, quando o Ministério da Saúde efetivamente ofereceu verbas federais aos municípios que assumissem os sistemas psiquiátricos até então sob o comando da União e dos Estados. De posse desses novos recursos e das diretrizes ditadas pela Portaria 224/92, os municípios ganharam grande impulso para realizar, de fato, uma reforma de base no sistema psiquiátrico nacional. A portaria federal prevê a criação de estruturas inéditas que respondem por maior atenção a doentes. Um exemplo é a formação de Centros ou Núcleos de Atenção Psicossocial (Caps/Naps) ou os hospitais-dia, que podem fazer a mediação entre ambulatório e internação, oferecendo aos pacientes atendimento clínico e psicoterapêutico. A portaria também prevê a criação de lares abrigados (que permitem a formação de repúblicas de pacientes) e de oficinas terapêuticas. Além disso, proíbe terminantemente a reclusão dos pacientes em "espaços restritivos".

No Estado de São Paulo foi aprovada neste ano uma legislação que trata especificamente do atendimento que deve ser dado aos doentes internados e prevê para doentes mentais, entre outras mudanças, a extinção de códigos de identificação (eles passam obrigatoriamente a ser identificados pelos seus nomes), e que eles tenham o direito de recusar o tratamento. "O paciente tem o direito de defender sua qualidade de vida, ainda que isso signifique não se submeter a qualquer tipo de tratamento", afirma o deputado estadual e médico Roberto Gouveia (PT-SP), autor da lei complementar que originou o Código de Saúde do Estado de São Paulo, o primeiro código de saúde estadual do Brasil. Nessa lei complementar há uma seção específica para a saúde mental, na qual consta que "a internação psiquiátrica será utilizada como último recurso terapêutico".

Para Roberto Gouveia, mesmo sem ter instrumentos legais mais poderosos, o movimento antimanicomial "vai levando as mudanças no peito, e elas vão acontecendo porque o atual sistema de atendimento simplesmente faliu. Não há alternativas senão modernizar". O moderno, para Gouveia e os integrantes do movimento antimanicomial, é o fim progressivo das internações com finalidades psiquiátricas e o crescente número de terapias alternativas que integrem os pacientes com distúrbios mentais à sociedade.

É esse tipo de trabalho que vem sendo feito em lugares como o Museu do Inconsciente.
Museu expõe capacidade artística dos pacientes
A história do Museu do Inconsciente confunde-se com a de sua fundadora, Dra. Nise da Silveira (1905-1999), uma psiquiatra que se posicionou desde seus tempos de faculdade contra o eletrochoque, a lobotomia e outros tipos de tratamento. Estes métodos são hoje considerados desumanos pela opinião pública e pela maioria dos profissionais que trabalham com doentes mentais.

A não concordância com essas formas de tratamento, demonstrada pela Dra. Nise, desde o início de sua carreira, levou-a a criar, em 1946, o Serviço de Terapia Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. Sob sua orientação, os funcionários do centro psiquiátrico começaram a estimular os internos a terem contato com várias atividades artísticas. A partir deste contato, que incita a criatividade, o paciente passa a ter novas ferramentas para se expressar e refletir seu estado psíquico. Através da pintura, da escultura e outras formas de expressão o esquizofrênico pode representar seu mundo interno, suas angústias ou seu processo de cura, já que é uma característica da esquizofrenia a dissociação e desordem da linguagem.

"A comunicação com o esquizofrênico, nos casos graves, terá um mínimo de probabilidades de êxito se for iniciada no nível verbal de nossas relações interpessoais. Isso só ocorrerá quando o processo de cura se achar bastante adiantado. Será preciso partir do nível não verbal. É aí que se insere com maior oportunidade a terapêutica ocupacional, oferecendo atividades que permitam a expressão de vivências não verbalizáveis por aquele que se acha mergulhado na profundeza do inconsciente, isto é, no mundo arcaico de pensamentos, emoções e impulsos fora do alcance das elaborações da razão e da palavra [...]."

A principal função das atividades realizadas no Centro de Terapia Ocupacional é justamente criar oportunidades para que as imagens do inconsciente encontrem formas de expressão, possibilitando ao doente uma melhor compreensão de sua condição, de sua situação psicológica, de suas vivências internas, do significado dos seus sintomas. A importância dessas atividades para os internos foi crescendo de modo diretamente proporcional ao tamanho do acervo a ser conservado, motivando a fundação do Museu de Imagens do Inconsciente em 1952, localizado dentro do próprio Centro Psiquiátrico Pedro II.

Foi também com essa intenção que Dra. Nise criou a Clínica Casa das Palmeiras em 1956, sem fins lucrativos, que funciona em regime de externato, destinada ao tratamento e à reabilitação de egressos de unidades psiquiátricas. Os trabalhos realizados na Casa são pioneiros no tratamento da esquizofrenia fora das premissas do hospício e comprovam a viabilidade terapêutica da expressão criativa e da liberdade. Nise da Silveira aponta em seu livro Mundo das imagens (1992) para a complexidade do universo das formas pictóricas e da mente humana:
"[...] o mundo interno do psicótico encerra insuspeitadas riquezas e as conserva mesmo depois de longos anos de doença, contrariando conceitos estabelecidos. E dentre as diversas atividades praticadas na nossa terapêutica ocupacional, aquelas que permitiam menos difícil acesso aos enigmáticos fenômenos internos eram desenho, pintura, modelagem, feitos livremente."
Assim na Casa das Palmeiras, é dada grande ênfase às relações interpessoais entre corpo técnico e pacientes, sem as marcadas distinções discriminatórias que os separam. A autoridade da equipe técnica estabelece-se de maneira natural, pela atitude serena de compreensão face aos problemas dos pacientes, pela evidência do desejo de ajudá-los e por um profundo respeito a cada uma das pessoas.

No entanto, o Museu do Inconsciente padece dos mesmos problemas de falta de recursos que atingem boa parte das instituições brasileiras do gênero.
Faltam recursos para o Museu

Quando nos referimos aos museus de nosso país, logo nos vêm à mente as dificuldades financeiras por eles enfrentadas. Com o Museu do Inconsciente, não é diferente. O fato de ele pertencer até o momento ao Ministério da Saúde, antes de ser uma solução, é mais um complicador, uma vez que o Ministério tem outras prioridades dada a escassez de recursos. Mas, segundo nos revelou a Dra. Gladys Schincariol, psicóloga que trabalha no Museu desde 1979, a instituição tem contado, de forma um tanto irregular mas imprescindível, com o apoio da Sociedade Amigos do Museu do Inconsciente. Através dela tem conseguido a captação de recursos externos sem depender da burocracia da "máquina pública". Além disso, existem outros projetos com vistas à obtenção dos recursos necessários para que o Museu consiga resolver seus sérios problemas de manutenção, e assim conservar seu acervo sempre aberto à visitação e pesquisa.

As dificuldades financeiras enfrentadas pelo Museu do Inconsciente trouxeram uma polêmica sugestão: a comercialização de suas obras. Atualmente, temos presenciado uma multiplicação das chamadas "terapias alternativas". Uma delas, a "arteterapia", utiliza conceitos pseudocientíficos, esotéricos, místicos e mesmo alguns dos conceitos junguianos utilizados no Museu do Inconsciente. O termo arteterapia, segundo a Dra. Gladys, nunca foi aceito pelos profissionais ligados ao Museu. A palavra arte já traz conotações de valor e qualidade estética implícitas e o terapeuta deve estar consciente de que o psicótico jamais deve desenhar ou pintar para se tornar um artista, e sim buscar uma linguagem com a qual possa exprimir suas emoções mais profundas. O terapeuta busca nas configurações plásticas a problemática afetiva de seu paciente, seus sofrimentos e desejos.

Embora os terapeutas tenham consciência dos reais objetivos de seu trabalho, em certos casos a manifestação criativa dos pacientes transforma-se naturalmente em arte.
Provavelmente porque alguns deles têm talentos especiais que não passam despercebidos aos expertos em arte. A possível comercialização dessas obras é um assunto bastante polêmico e contraria os objetivos do Museu. Segundo a Dra. Gladys, "as pessoas que defendem a idéia de comercialização de obras do Museu mostram-se absolutamente ignorantes de seu significado, e por que não dizer, sem respeito pelo trabalho desenvolvido pela Dra. Nise e sua equipe. Além do valor científico do Acervo - o estudo das séries de imagens - temos outras implicações de ordem subjetiva, como o sigilo dos casos clínicos e o respeito pelas pessoas que fazem seu tratamento ali. Muitos de nossos pacientes têm verdadeiro pavor da idéia de expor seus trabalhos, sinceros 'retratos da alma'. Abrir precedentes de comercialização seria inclusive valorizar apenas alguns de nossos freqüentadores, aqueles de maior talento, com certeza".

"O que distingue a arteterapia das práticas adotadas no Museu de Imagens do Inconsciente é que as atividades aí realizadas são absolutamente livres, espontâneas. O ateliê oferece um ambiente acolhedor e a monitora (que não é uma arteterapeuta) nunca intervém. Apenas tem uma atitude simpática para com o doente; diremos, no máximo, uma função catalisadora." (Nise da Silveira, O Mundo das Imagens).
Cândido Ferreira: um exercício de cidadania

O Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, localizado na cidade de Campinas (SP) e reconhecido pela Organização Mundial da Saúde desde 1993 como modelo de tratamento no Brasil, é um dos atuais exemplos do processo de abertura manicomial e apresenta-nos uma belíssima forma de aprender, cultivar e exercitar a cidadania. Hospital-dia, Núcleo de Oficinas e Trabalho e Unidades de Recuperação de Moradores são os nomes de alguns projetos desenvolvidos no Cândido Ferreira buscando novos modos de tratamento dos doentes mentais. Estes projetos procuram reintegrar os pacientes à sociedade e abandonam as antigas terapias baseadas no eletrochoque e no confinamento.

Mas nem sempre foi assim. Quando de sua fundação, em 1924, até meados dos anos 80, o Cândido Ferreira seguiu os modelos tradicionais de tratamento psiquiátrico. A partir da mobilização iniciada por Dona Sylvia Ferreira de Barros (filha do Dr. Cândido Ferreira), foi fundado, em Souzas (distrito de Campinas-SP), como Hospício de Dementes de Campinas, o primeiro hospital psiquiátrico da cidade e o primeiro filantrópico do Estado em psiquiatria. Até então, os loucos da região eram trancafiados no porão da cadeia pública, juntamente com os pobres, como forma de afastá-los do convívio social. Apesar da nobre iniciativa de Dona Sylvia, apoiada por jornalistas como Leopoldo Amaral e José Villagelin Júnior do Estado de S. Paulo, o Cândido Ferreira não fugia à lógica da maioria dos hospitais psiquiátricos.

Como afirma o Superintendente do Serviço de Saúde Cândido Ferreira, Willians Valentini Jr., a psiquiatria brasileira seguia a tendência mundial da área importando as formas de tratamento brutais que eram praticadas. Franco da Rocha - exemplifica Willians - importou não só o Juqueri, uma cópia de Salpêtrière na França, como também trouxe a psicanálise para o Brasil.
O assessor de imprensa do Cândido Ferreira, Régis Moreira, comenta que durante muito tempo os doentes mentais foram tratados com eletrochoques e celas fortes além dos maus tratos e privações com os quais conviviam.
Apenas na década de 80, mais uma vez acompanhando uma tendência, é que as formas de tratamento vigentes entram em crise e o espaço manicomial começa a ser repensado. A partir de então começa-se um trabalho para humanizar a assistência e melhorar as condições físicas do local.
Novos modelos de tratamento
Desde 1990, quando é assinado o convênio de co-gestão com a Prefeitura de Campinas, o Cândido Ferreira trabalha com um conselho diretor da entidade e uma estrutura administrativa montados pela Secretaria de Saúde e idealizados pelo Dr. Gastão Wagner de Souza Campos.
O conselho diretor - explica Willians - reúne pessoas com múltiplas visões: as que estão na Universidade, no governo municipal, os funcionários e os próprios familiares, obrigando-as a tomarem decisões de diversos pontos de vista. Obedecem a esta proposta não apenas o conselho diretor mas todas as equipes de trabalho. "O nosso eixo de olhar preponderante", continua Willians, "é aprender a trabalhar a partir da ótica segundo a qual o usuário está no centro do projeto. O projeto se faz a partir da participação dele, sem desqualificá-lo do processo, respeitando-o e acolhendo-o na sua integridade. São pessoas que têm problemas, têm dificuldades, mas a maior dificuldade de grande parte delas, não é o fato de apresentarem este ou aquele diagnóstico, e sim de carregarem consigo anos e anos de hospitalismo."
Os novos modelos de tratamento desenvolvidos dentro do Cândido Ferreira partem do pressuposto de que o isolamento do doente mental só contribui para o agravamento de seu problema. "A perspectiva para nós", diz Willians, "é ampliar cada vez mais os contextos e as possibilidades para os pacientes se identificarem, relacionando-se com o que eles imaginam que querem e gostam de fazer e tendo a oportunidade de experimentar aqui. A compreensão que estamos desenvolvendo - e que é compartilhada com mais algumas áreas da psiquiatria -, é a de que não existe doença mental sem contexto. A própria ciência já reconhece que a qualidade do lugar onde se processa o tratamento, a qualidade da relação com o paciente influi sobre o prognóstico".
Ao contrário de algumas tendências seguidas pela medicina de enfatizar o caráter orgânico da doença e incentivar o aumento da medicação para estes pacientes, a doutrina seguida pelos profissionais do Cândido Ferreira procura reintegrá-los ao convívio social.
Projetos de reintegração
A reintegração dos pacientes à sociedade e a não-hospitalização mostram-se projetos criativos de tratamento, incluindo-se aqui o Hospital-Dia, o Núcleo de Oficinas e Trabalho, as Casas Assistidas, os Centros Culturais e de Convivência e a reabilitação de pacientes moradores.
Criado em março de 91 o Hospital-Dia foi, juntamente com a reestruturação do espaço físico, uma das primeiras mudanças que apontaram para um novo modelo de tratamento. Através dele, possibilita-se que 100 usuários sejam atendidos diariamente sem internamento. Não estão incluídos aqui os casos de crise aguda que são direcionados para os 50 leitos da Unidade de Internação.
O Núcleo de Oficinas (NOT), por sua vez, dá possibilidade aos pacientes de exercitar sua capacidade criativa, associando o projeto terapêutico e a reabilitação para o trabalho. O NOT atende a 150 usuários e possui sete oficinas com atividades profissionalizantes: vitrais, marcenaria, papel reciclado, gráfica, culinária, agrícola e mosaico. Para Régis Moreira os benefícios deste tipo de tratamento são muitos: "O trabalho muda o status familiar e social das pessoas. A sua produtividade faz com que a sociedade os veja mais como cidadãos do que como doentes. Através do trabalho, a convivência com os outros é ampliada, além de diminuir a reincidência de internação, melhorar a qualidade de vida, inserção social, respeito e amor próprio destas pessoas".
As 11 casas assistidas, alugadas em bairros residenciais, atendem a 45 usuários que são visitados diariamente pelos profissionais do Cândido Ferreira. É desta forma que os pacientes começam a administrar seu dia-a-dia readquirindo confiança em si mesmos. Sobre estes dois projetos Willians Valentini comenta: "Existem muitos pacientes que têm muita facilidade de convivência e vêm conseguindo se inserir. Progressivamente estamos mostrando a eles que são capazes de produzir e ter cotas de responsabilidade cada vez maiores".
A reabilitação dos 140 pacientes que moram no Cândido Ferreira realiza-se, entre outras formas, através do Centro de Convivência onde há ateliê de artes, laboratório de informática e biblioteca organizada pelos usuários.
Por fim, o Centro Cultural, que se localiza fora das dependências do Cândido Ferreira, surge como forma de aproximação entre usuários e comunidade. Neste espaço realizam-se exposições e diversos cursos com o apoio da Fundação Municipal para a Educação Comunitária de Campinas.
Superando o antigo modelo de exclusão e reclusão, estas iniciativas adaptam os processos de tratamento aos interesses dos pacientes e das famílias, não amputando o direito à liberdade e à convivência.

História dos manicômios
Asile, madhouse, asylum, hospizio, são alguns dos nomes que denominam as instituições cujo fim é abrigar, recolher ou dar algum tipo de assistência aos "loucos". As denominações variam de acordo com os diferentes contextos históricos em que foram criados. O termo manicômio surge a partir do século XIX e designa mais especificamente o hospital psiquiátrico, já com a função de dar um atendimento médico sistemático e especializado.
A prática de retirar os doentes mentais do convívio social para colocá-los em um lugar específico surge em um determinado período histórico. Segundo Michel Foucault, em A história da loucura na idade clássica, ela tem origem na cultura árabe, datando o primeiro hospício conhecido do século VII.
Os primeiros hospícios europeus são criados no século XV, quando da ocupação árabe da Espanha. Na Itália eles datam do mesmo período, e surgem em Florença, Pádua e Bérgamo.
No século XVII os hospícios proliferam e abrigam juntamente os doentes mentais com marginalizados de outras espécies. O tratamento que essas pessoas recebiam nas instituições costumava ser desumano, sendo considerado pior do que o recebido nas prisões. Diversos depoimentos - como o de Esquirol, um importante estudioso destas instituições no século XIX - retratam este quadro:
"Eles são mais mal tratados que os criminosos; eu os vi nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão, defendidos da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Eu os vi privados de ar para respirar, de água para matar a sede, e das coisas indispensáveis à vida. Eu os vi entregues às mãos de verdadeiros carcereiros, abandonados à vigilância brutal destes. Eu os vi em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz, acorrentados em lugares nos quais se hesitaria até em guardar bestas ferozes, que os governos, por luxo e com grandes despesas, mantêm nas capitais." (Esquirol, 1818, apud Ugolotti, 1949.)

Influenciado pelos ideais do iluminismo e da Revolução Francesa, Philippe Pinel (1745-1826), diretor dos hospitais de Bicêtre e da Salpêtrière, foi um dos primeiros a libertar os pacientes dos manicômios das correntes, propiciando-lhes uma liberdade de movimentos por si só terapêutica.
Desde que a questão dos "loucos" passa a ser um assunto médico-científico, surgem duas correntes diferentes de pensamento com relação ao trato dos pacientes e à origem de seus males. Uma crê no tratamento "moral", nas práticas psicopedagógicas, nas terapias afetivas como mais importantes.
Outra focaliza o tratamento físico, crendo ser a loucura um mal orgânico, fruto de uma lesão ou de um mau funcionamento encefálico. Para esta última, o ambiente dos manicômios, suas instalações, não são tão relevantes para o tratamento.
Mesmo após as reformas instituídas no século XIX por Pinel, um dos primeiros a aplicar uma "medicina manicomial", o tratamento dado ao interno do manicômio ainda era mais uma prática de tortura do que a uma prática médico-científica. Tanto a corrente organicista quanto aquela que acreditava no tratamento "moral", não dispensavam os tratamentos físicos. Nestes tratamentos buscava-se dar um "choque" no paciente, fazer com que passasse por uma sensação intensa, que o tirasse de seu estado de alienação.
Eram correntes as práticas de sangria, de isolamento em quartos escuros, de banhos de água fria, além dos aparelhos que faziam com que o paciente rodopiasse em macas ou cadeiras durante horas para que perdesse a consciência.
Através da história, alternam-se momentos em que predominam as correntes "morais" e organicistas para o tratamento dos doentes mentais dentro da ciência médica. Este último século foi marcado pelo aumento da contribuição das ciências humanas no sentido de entender a loucura como também uma categoria social, com diferentes sentidos em diferentes culturas e períodos históricos. A institucionalização, a exclusão do convívio social, também passa a ser entendida como uma prática histórica que, por si só, não significa o tratamento mais adequado para aqueles que entendemos como doentes mentais. Do mesmo modo como nasceu em um determinado período histórico, ela também pode acabar.
Fonte: Com Ciência, abril de 2000.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Site revela mapa do controle da mídia no País

Sérgio Matsuura, do Rio de Janeiro
A Rede Globo controla quantos canais de televisão? O senador e ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello é proprietário de quantos veículos de comunicação? Essas e outras informações podem ser encontradas no site Donos da Mídia, que disponibiliza a maior base de dados do mercado de comunicação do País.
“Isso sempre foi um arquivo fechado. Os veículos de comunicação não informavam o público sobre o seu próprio mercado”, diz o coordenador do projeto, James Görgen.
Resultado de 20 anos de pesquisa, a divulgação desses números faz parte da terceira fase de um projeto iniciado pelo jornalista Daniel Hertz, morto em maio de 2006. Segundo Görgen, ela só foi possível por causa dos avanços tecnológicos, que permitiram a automatização do banco de dados.
Política e comunicaçãoUma das questões levantadas pelo estudo é a participação de políticos como proprietários de veículos de comunicação. Controlando diretamente, existem 271 pessoas com cargos eletivos nessa situação, sendo: 147 prefeitos, 55 deputados estaduais, 48 deputados federais, 20 senadores e um governador.
O site também divide esse número pelos partidos: O DEM possui 58 políticos donos de veículos de comunicação, seguido pelo PMDB, com 48, e PSDB, com 43.
Concentração de mídiaGörgen informa que essas informações são importantes, mas não são as principais do estudo: “o grande problema é a concentração vertical”.
Classificado como “Sistema Central de Mídia”, o controle, direto ou indireto, dos principais veículos de comunicação no País por um pequeno grupo de conglomerados, “se constituiu e se sustenta contrariando os princípios de qualquer sociedade democrática, que tem no pluralismo das fontes de informação um de seus pilares fundamentais”.
“O decreto lei 236 de 1967 determina que uma mesma entidade não pode controlar tantas emissoras. A questão é que entidade, antigamente, era pessoa física. A entidade virou pessoa jurídica e eles controlam por vários nomes diferentes”, avalia Görgen.
A Rede Globo lidera o ranking, com 35 grupos que controlam 340 veículos. O sistema engloba 105 emissoras de TV, 69 veículos próprios, 33 jornais, 52 rádios em AM, 76 em FM e 11 em ondas curtas, além de ser reforçada por 3312 retramissoras.
EBC é a quinta maior rede do PaísEla é seguida pelo SBT, com 205 veículos; Band, com 172; Record, com 163; e pela Empresa Brasil de Comunicação, com 95.
“O Governo tinha um aparato de comunicação grande, mas que se tornou visível a partir da unificação”, diz Görgen.
O Donos da Mídia disponibiliza num único endereço informações que são divulgadas pelo Governo e entidades privadas. Respondendo à pergunta do início da matéria, Collor é proprietário de quatro veículos de comunicação.